domingo, 14 de agosto de 2011

Melancolia




Pergunto-me se é possível assistir ao filme de Lars Von Trier e permanecer imune a sensação de melancolia. Particularmente, conheço pouco da carreira do diretor dinamarquês, e por isso não me atrevo a localizar o filme no conjunto de sua obra, ou mesmo esboçar comparações com seu antecessor, o polêmico e intenso Anticristo. Obviamente seria muito difícil dissociar completamente artista e obra, inclusive porque uma carrega fios de continuidade com as anteriores, de alguma forma, mas o que mais me interessa e atrai é justamente um aspecto que as diferencia absurdamente. 

Em Melancolia, somos FORÇADOS a ser cúmplices das personagens. Não importa se nos identificamos ou não com a depressiva e desajustada Justine, ou com sua irmã, a controlada Claire, somos todos atingidos. Podemos não concordar com a perspectiva pessimista diante da sociedade e do próprio planeta, de que todos são maus. Mas pra mim a questão não é essa, a questão é expressar e provocar uma compreensão até mesmo sensorial de um estado de espírito muito complexo e difícil de entender, que é o estado depressivo. O desespero em não encontrar nenhum prazer em viver ou morrer, aparentemente sem nenhuma explicação racional. Esse feito é obtido através de uma composição belíssima de cenas, como as cenas iniciais que remetem a pinturas, a música de Wagner (Tristão e Isolda) e também da própria construção do enredo e das personagens, em especial as duas protagonistas, e a desconstrução dos rituais e das relações familiares que são a base da história, que embora não pretendam explicar a angústia ou retratar fielmente a sociedade, 
apontam respostas importantes. 




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sábado, 6 de agosto de 2011

Juventude

- Ah, eu estou com vontade de chorar esta noite. É como uma dor de dente na alma. A alma está no estômago, é onde dói.



Já faz uns meses que arrasto um desejo de falar sobre este filme belíssimo de Ingmar Bergman, Juventude (Sommarlek, 1951), mas sempre me sinto incapaz de fazê-lo. Porque não conheço Bergman profundamente, porque não entendo esteticamente, tecnicamente ou historicamente o cinema. Porque nunca estudei psicológica ou filosoficamente o que é “juventude”. Gosto dessa frase de Marie, a protagonista do filme, no início do post, e isso é tudo. Resolvi arriscar.

Marie, uma bailarina de 28 anos, às vésperas da estréia de uma montagem de “cisne negro”, recebe um antigo diário. O ensaio geral é interrompido por um problema técnico, e a moça ganha assim um tempo para refletir sobre tudo que a angustia. Através de passeios solitários e um flashback muito bem montado por Bergman, descobrimos o que se passa com Marie, e visitamos as mais belas e traumáticas lembranças de sua adolescência. A descoberta do amor, e ao mesmo tempo de sua tragicidade,  lidar com a perda e a morte, e ao mesmo tempo, a importância apaixonante que o ballet tem de fato em sua vida, tudo isso volta a tona com as lembranças.



Não quero narrar o filme em detalhes, mas garanto que é sensível, e tocante. Acho que o mais bonito é que consegue ser intenso com sutileza, e tratar de coisas duras sem ser pessimista ou otimista, mas com uma certa sobriedade. É de se apaixonar sinceramente, de sofrer sinceramente, de superar tudo que poderia te paralisar, mas se permitindo ser fraco e forte quando necessário, e não como um exemplo a ser seguido. Não acho que seja sobre juventude e saudosismo, mas sobre ser jovem e perder a inocência, e amadurecer com cada experiência.

Resolvi me arriscar, embora não sem dificuldade, porque ando refletindo sobre “juventude”, aos meus 25 anos. Sempre me incomodei um pouco com essa espécie de “culto” à juventude, gerando um sentimento meio de Peter Pan, essa negação do tempo, da maturidade. Isso  levado às últimas conseqüências numa sociedade capitalista que transforma tudo em mercadorias e fetichização, produz verdadeiras aberrações, como a busca incessante de um corpo artificialmente jovem. Nas mulheres, já marcadas por uma opressão absurda que lhes condena a trabalhos precários, duplas ou triplas jornadas, violência e que sofrem a ditadura da beleza ou do padrão de beleza, esse sentimento é mais profundo e contraditório, e exige medidas mais drásticas, com o consumo constante de cremes milagrosos, cirurgias plásticas, etc.

Não acho correto transformar “juventude” em um conceito, um estado de espírito e muito menos em um grupo social, acima das classes. Todos os seres vivos passam por fases, e a juventude é uma delas, mas acho que isso não pode ser mistificado. Os jovens tem coisas em comum entre si mesmo se não levarmos em consideração a classe social, o pais de origem, a etnia, é verdade. Uma delas é o fato de não ter consolidado suas escolhas de vida, e o de não ter vivenciado as mesmas experiências daqueles que os educaram e daqueles que os governam, isso pode ser potencialmente um impulso subversivo e questionador. E no caso dos adolescentes, também o impulso sexual, contraditório com a moralidade repressora da sociedade burguesa, também é um ponto de encontro. Mas isso fora de uma localização no tempo e no espaço, não quer dizer nada.

Um jovem pode ser libertário e internacionalista como os estudantes em aliança com os operários no levante francês de 1968, ou conservador e intolerante como os neonazistas que espancam e assassinam gays, negros e nordestinos na avenida Paulista em 2011.

Ou pode se adaptar a uma sociedade em que se divertir é sinônimo de se permitir experiências com álcool, drogas e sexo somente nas conservadoras, machistas, elitistas e super controladas micaretas. Ou se adaptar a uma arte que só toma as ruas e a noite por iniciativa do governo, uma vez por ano, pelo menos em São Paulo, na chamada “Virada Cultural”.

Não acho que exista nada específico da juventude se for por fora da juventude negra dos morros se auto organizando contra o racismo e a violência policial, por fora dos estudantes de cada escola ou Universidade lutando pelo acesso ao ensino, contra a precarização e mercantilização da educação, por fora dos jovens trabalhadores terceirizados das fábricas e dos telemarketings se auto organizando contra a precarização do trabalho e da vida. Só vejo assim, e com a aliança destes setores contra a o racismo, o machismo, a homofobia e todas as formas de opressão, e conjuntamente lutando conscientemente contra a exploração, tomando as ruas e os rumos da produção, e de toda a organização social.  Porque se não for assim, se for os jovens lutando abstratamente pelas coisas que interessam somente e a todos os jovens, nos perderemos e envelheceremos em marchas pacifistas que não alteram nada.

Foram muito longos os últimos anos de passividade e conformação, de profundos ataques a classe trabalhadora, com retirada de direitos, aumento da exploração, tudo baseado na busca de soluções capitalistas para a própria crise do capitalismo. Tudo isso também apoiado ideologicamente no suposto fracasso da estratégia revolucionária, com o stalinismo e o fim da URSS. Sem querer simplificar um processo tão complexo, mas sem me aprofundar na análise, é evidente que os últimos anos, com raras e localizadas exceções de greves e levantes importantes, o que primou foi o sentimento de fim da luta de classes, fim da história, vitória da democracia burguesa e das eleições burguesas como único método de transformação. Consumismo como prova de melhoria das condições de vida. Etc.

Os levantes da chamada primavera árabe contra os governos ditatoriais e por melhores condições de vida, as manifestações massivas na Europa contra as conseqüências da crise econômica parecem sinalizar mudanças de tempos. E a crise de 2008 que tentam tapar com a peneira já está mostrando que é maior do que dizem, o que também significa mudanças de tempos.

Mas mudança de tempos não significa e não pode significar querer reiventar a roda, achar que se transforma a sociedade sem transformar suas bases, que se luta junto sem ter um acordo do que se quer, que basta ser jovem e estar nas ruas pra mudar alguma coisa. Não existem lutas abstratas, nem revoluções inconscientes, nem juventude sem classe.

Acho que mais do que transformar juventude em sentimento, o que temos que buscar, nós que olhamos a realidade com indignação e queremos transforma-la, é a paixão. Nos entregar a vida e a luta, como a bailarina Marie se entrega ao amor e a arte no filme de Bergman, não sem aprender, não sem tirar lições da vida, não sem amadurecer e envelhecer, mas com intensidade e paixão.

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Pra baixar Juventude e outros filmes do Bergman:
(Jovens) estudantes chilenos enfrentando a polícia:
(Jovens) estudantes argentinos se solidarizando aos chilenos:
Um vídeo sobre o Maio de 68: